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Princípios, Objetivos e Direitos da Educação

Atualizado: 3 de fev.

Giovanna Tonzar dos Santos

São Paulo, 12 de maio de 2021


A prática conhecida por homeschooling ou educação doméstica é um movimento de pais que reivindicam o direito de ensinarem seus filhos fora do ambiente escolar, alegando insatisfação com a educação ofertada em escolas públicas e privadas. No Brasil, esse movimento teve início nos anos 1990 e hoje a Associação Nacional de Educação Familiar (ANED) estima que haja 7.500 famílias e 15.000 estudantes em homeschooling. Ainda recentemente, em abril desse ano, uma estudante sorocabana que passou na USP foi impedida de entrar por fazer homeschooling¹.


Esse movimento tem gerado grande debate nos âmbitos de princípios, objetivos e direitos da educação, bem como questionamentos sobre o papel da escola e do professor. No contexto da pandemia, no qual o ensino remoto feito em casa foi realidade para todos, será que houve mudança na percepção popular sobre o homeschooling? Os pais ainda acham que essa modalidade é a salvação da educação? O que a pandemia vem mostrando nesse sentido?


Historicamente, as políticas educacionais passaram por muitas reformas. Nos anos 70, a crise econômica fez com que o Estado propusesse reformas para reduzir gastos, apoiados em ideias neoliberais, fazendo surgir termos como “eficiência” e “avaliação” como metas e medidas de resultados na educação. Já em 1980, a globalização foi mola propulsora de uma educação mais abrangente e formadora de trabalhadores qualificados e aptos a desempenhar várias tarefas. Na década seguinte, a democratização consolidou a universalização de direitos e ampliação desses, gerando pressões por melhorias nas políticas educacionais com planejamento, metas, monitoramento e avaliação (VOORWALD, 2017). Percebe-se, então, que as reivindicações ao Estado para a educação pautaram-se na qualidade, ampliação, gratuidade da mesma, o que se contrapõe às exigências feitas nos dias de hoje pelos defensores do homeschooling, que é a expressão máxima da individualização e privatização.


No título II - Dos Princípios e Fins da Educação Nacional, no artigo 3º, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) - Lei nº. 9.394/96 estão definidos os princípios da educação e, dentre eles, estão a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, respeito à liberdade e apreço à tolerância. O grau máximo de privatização trazido por essa modalidade dificulta a garantia de mesmas oportunidades de frequentar e permanecer na escola, uma vez que o olhar tão individualizado faz com que se abra mão do ensino público em favor do privado. Somado a isso, esse ensino ausenta o estudante de um meio coletivo que o ensine a respeitar, bem como conhecer e lutar pela diversidade e pluralismo da sociedade, ou seja, ser um cidadão.


Visto isso, o homeschooling coloca em risco os princípios da educação ao negligenciar o papel da escola, de lugar onde é possível ocorrer a sociabilidade capaz de promover ao estudante uma convivência com a diversidade que, não diminui a desigualdade por si só, mas o senso de coletividade gerado pode ter a capacidade de criar um ambiente de resistência e luta por melhorias. Somado a isso, a formação de um sujeito ocorre por processos humanos, ou seja, não ocorre individualmente, sem a mediação de um terceiro. O papel do professor de mediador dessas relações (princípio número sete da educação - a valorização do profissional da educação escolar) é suprimido sem esse ambiente, não possibilitando relações extra domésticas que podem ser de grande aprendizado.


Para a formação desse cidadão, enxerga-se como objetivos da educação o aprendizado de valores historicamente construídos, visando a diminuição da desigualdade e o desenvolvimento de um estudante crítico e consciente de seu papel na coletividade com o exercício da cidadania. Entendendo que a cidadania, democracia e educação estão intimamente relacionadas (PARO, 2001), de forma que a cidadania, desenvolvida dentro da escola, compõe a noção de direitos e deveres, construindo, assim, uma democracia mais justa e igualitária.


Mais uma das evidências da fragilidade do homeschooling em propor uma educação que afasta o estudante dos problemas sociais e da noção de cidade, negando o papel da escola de ambiente democrático e republicano capaz de proporcionar a coexistência de diferentes perspectivas, reforçando atitudes de tolerância. Além disso, o professor deixa de exercer sua função de construir conhecimentos diversos com os estudantes visando uma formação para a cidadania.


No âmbito do direito, os debates entre apoiadores e resistentes ao homeschooling é mais polêmico. Começando pela questão de quem é o sujeito do direito à educação, a criança aparece como este após a Convenção Sobre os Direitos da Criança (TOMASEVSKI, 2001), corroborando Barbosa:

Surgem posições apresentando as crianças como os titulares desses direitos, não cabendo aos pais infringi-los, ou seja, entendendo-se… que o direito à educação pertence aos filhos e não aos pais (BARBOSA, 2013, p. 224).

Então, é nítido que a educação é papel da escola, somado ao fato de que no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei nº 8.069/90), consta, como obrigação, que os pais matriculem seus filhos em escolas, sendo um direito de todos o acesso à educação gratuita e de qualidade. Em uma hipótese de normalização do homeschooling, quem usufruirá desse direito? Esta prática é limitada, não é uma escolha para todos, o que ocasionaria o agravamento das desigualdades, ponto que ficou evidente na pandemia do novo coronavírus, pois, em um país tão desigual como o Brasil, muitos estudantes não têm acesso à internet e dispositivos eletrônicos para darem sequência nos seus estudos. Além disso, a necessidade de políticas públicas provocaria problemas administrativos para atender e supervisionar essa modalidade, direcionando recursos à uma espécie de “educação privada” ao invés de investimentos maiores na escola pública.


Visto isso, o homeschooling apresenta divergências quanto aos princípios de pluralismo e tolerância, aos objetivos de diminuição da desigualdade e formação de cidadãos e aos direitos da criança ao acesso à educação gratuita e de qualidade. Na realidade do ensino remoto, deixo a reflexão que a pandemia mostrou um país de grandes desigualdades de acesso e a dificuldade de muitas famílias em auxiliar os educandos no EAD, mostrando que a percepção de muitos sobre o homeschooling e sobre a própria atuação do professor passaram por mudanças.


Além disso, a prática deixa de lado o papel do professor de mediar as relações entre diferentes e construir o conhecimento com os estudantes, bem como o papel fundamental da escola de local de sociabilidade, promoção da cidadania e educação, além de ignorar os bens públicos e a coletividade, sendo que é essencial a defesa de uma escola pública cada vez mais abrangente, com políticas de permanência e qualidade acessível a todos.


Referências

BARBOSA, L. M. R. Ensino em casa ou na escola? Respostas do Poder Judiciário brasileiro. Cadernos Cenpec, v. 3, n. 1, p. 224, jun. 2013.

BRASIL, Planalto. Lei n. 9394 de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.

BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências.

PARO, V. H. Cidadania, democracia e educação. In: PARO, Vitor Henrique. Escritos sobre educação. São Paulo: Xamã, 2001.

TOMASEVSKI, K. Free and compulsory education for all children: the gap between promise and performance. In: Right to Education Primers, n. 2. Gothenburg, Novum Grafiska AB, 2001.

VOORWALD, Herman J. C. A educação básica pública tem solução? São Paulo, p.48-49. Unesp, 2017.


Páginas consultadas

*GiovannaTonzar é estudante do curso de Ciências – Licenciatura pela Universidade Federal de São Paulo, integrante do grupo de pesquisa Movimentos Docentes e do Observatório de Educação e Sustentabilidade, ambos também na Universidade Federal de São Paulo.

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