Giovanna Tonzar dos Santos
São Paulo, 07 de junho de 2021
No início do ano, o movimento “Justiça por Marcelo” tomou conta das redes sociais e moradores da Cidade de Deus (RJ) organizaram atos pedindo justiça por Marcelo Guimarães, homem negro, que foi morto pela PM por um disparo de fuzil no caminho para o trabalho. Quantos “Marcelos” não vemos todos os dias vítimas de violência pela cor de sua pele?
Achille Mbembe, considerado um dos pensadores mais importantes da atualidade, estudou e definiu o termo necropolítica, que consiste em usar a morte como ferramenta de gestão, na qual uma parcela da população é combatida em favor de outra. Nesse sentido, o termo cabe perfeitamente no cenário atual de desgoverno brasileiro com a naturalização da violência contra os negros. No nosso país, isso ocorre pelo histórico de escravidão, preconceito e racismo enraizados e violência seletiva, que afetam os negros há tanto tempo que tais práticas tornaram-se comuns – embora não devessem – na sociedade contemporânea.
Os afrodescendentes chegaram no período colonial para serem usados como mão de obra escrava e, apesar da abolição em 1888 pela Lei Áurea, a inserção deles na sociedade não se deu da maneira como deveria. Marginalizados, lutam até hoje para se firmarem como sujeitos de direito e terem sua existência respeitada. Devido a esse alijamento, o racismo e o preconceito estão impregnados na sociedade de tal forma que são muito presentes em inúmeras atitudes, tais como a violência seletiva infligida a essa parcela da população, além do racismo estrutural que a segrega socialmente, impõe estereótipos e direciona ofensas que visam mantê-la em situação de exclusão social.
O histórico vem normalizando essa violência como se pode ver exemplificado na música Negro Drama dos Racionais MC’s:
Recebe o mérito, a farda que pratica o mal / Me ver pobre, preso ou morto já é cultural.
Notícias de negros sofrendo violência e agressões verbais são tão recorrentes atualmente que a naturalização dessas ações se instaura na sociedade de modo a parecer normal que esses “Marcelos” morram sem mais nem menos. É “cultural”, como enfatiza a música.
Somado a isso, a necropolítica nos desgovernos atuais legitima principalmente a violência direcionada, sendo uma possível incitadora, além de omissa à defesa dessa enorme parcela da população. Vemos essa nítida omissão no caso Marielle que completou três anos em março de 2021, ainda sem mandante identificado.
Desde a Colonização do Brasil é evidente a opressão imposta aos negros pelos brancos, visto que o país foi estruturado a partir dessa tensão, o que garantiu a localização do branco em uma posição superior.
Assim, é perceptível que há falta de garantias para a igualdade, o racismo permanece enraizado na contemporaneidade, de forma velada e evidenciado não só pela crença na superioridade racial como também no racismo estrutural.
Faz-se necessário reverter a situação relatada pela música “Negro Drama” e deixar no passado a herança vergonhosa trazida pelos colonizadores dessa terra, elegendo melhores governantes que rompam com a necropolítica em sua gestão e deixem de serem omissos à essa cruel realidade. Escrevo este texto como tentativa de propor uma oportunidade de reflexão a ser feita em conjunto por nós, que temos o desafio, mas também a possibilidade de mudar a realidade de tantos “Marcelos”.
Referências
BRASIL DE FATO, "Justiça para Marcelo": homem negro morre após ser baleado pela PM no RJ, 4 de janeiro de 2021. Disponível em:
MBEMBE, A. Nécropolitique. Raisons Politiques, 2006, n⁰ 21, p.80.
MCS, Racionais. Negro Drama, Álbum Nada como um dia Após o Outro, 2002.
*Estudante do curso de Ciências – Licenciatura na Universidade Federal de São Paulo, integrante do grupo Movimentos Docentes e do Observatório de Educação e Sustentabilidade, ambos também da Universidade Federal de São Paulo.
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