Você já se pegou sentindo a dor de alguém que sequer conhece? Talvez tenha visto uma notícia, um post nas redes sociais ou até mesmo presenciado uma cena cotidiana que lhe trouxe um certo aperto no peito, uma vontade genuína de ajudar. Já passou por isso?
Esse sentimento que nos faz sair de nossa própria bolha e nos conectar com o outro se chama empatia. Para além dos clichês de um conceito bonito, na filosofia a empatia se constitui como ponte que nos torna mais humanos, nos fazendo enxergar além das nossas próprias experiências e compreender o que significa, como diria minha avó, Maria Lucinda, — caminhar com os sapatos de outra pessoa.
Nos últimos dias, o mundo voltou seus olhos para a saúde do Papa Francisco, uma figura que há anos inspira gestos de acolhimento, diálogo e compaixão. Independentemente da fé de cada um, a fragilidade de Vossa Santidade nos lembra de algo essencial: somos todos vulneráveis, e é essa vulnerabilidade compartilhada que nos une.
Mas será que, no dia a dia, conseguimos praticar a empatia para além das palavras? Será que nos permitimos sentir a dor do outro e agir para transformá-la?
A empatia é um dos sentimentos mais essenciais para a vida humana em sociedade. Ao olhar para a etimologia, nos voltamos ao grego "empatheia", que significa "paixão" ou "sentir dentro". Esse conceito, ao longo dos séculos, foi refinado para descrever a capacidade de se colocar no lugar do outro, compreender suas dores e vivências, e agir em prol do bem-estar coletivo. E a igreja católica, com a autoridade máxima do Papado, tem contribuído com a disseminação da empatia pelo mundo. Vale aqui lembrar da pandemia de Covid-19, logo no início do lockdown, quando Vossa Santidade rezou uma sexta-feira de março de 2020, sozinho na praça de São Pedro e nos deu a bênção "Urbi et Orbi" (à cidade e ao mundo) e a indulgência plenária ao mundo pela pandemia de coronavírus. As palavras em um momento de dor e angústia coletiva em nível global, não poderiam ressoar de outra maneira além de alimentar a Esperança e Empatia.
E agora, em 2025, momento em que lidamos constantemente com a crise civilizatória e climática que afeta em diferentes graus o mundo inteiro, também passamos a nos ver na fragilidade da vida humana ao acompanhar o estado de saúde do Papa Francisco. Nesse momento, observamos como esse sentimento ressoa globalmente, despertando reflexões sobre o papel que a compaixão e o cuidado desempenham em nossas vidas. O Papa Francisco, desde o início de seu pontificado, tornou-se um símbolo da empatia e do acolhimento. Sua trajetória é marcada por discursos e ações voltadas para os mais vulneráveis, incentivando o diálogo, a compaixão e a solidariedade. Seu atual estado de saúde gerou uma onda de preocupação e orações em diversas partes do mundo, evidenciando a maneira como a fragilidade humana une as pessoas em um sentimento de conexão e esperança. Esse momento nos convida a refletir sobre como lidamos com a dor do outro e como transformamos nossas palavras em gestos concretos de empatia.
Naturalmente, vivendo em uma crise civilizatória, a palavra em toda sua ambiguidade, também se faz presente em discursos odiosos nas redes sociais e dentro da própria igreja quando se pede pela renúncia do Papa e, pior, pelo fim de sua vida devido as impressões políticas que o acompanham. A palavra tem poder. E por isso que eu e você, leitor e leitora, precisamos fazer valer nossas palavras em prol do bem-estar global.
Em diversas tradições religiosas, os discursos são ferramentas de cura, conforto e transformação. Na tradição cristã, a Bíblia nos apresenta inúmeras passagens que exaltam a empatia como um princípio fundamental para a vida em comunidade. Jesus Cristo, nosso exemplo-mor, é frequentemente descrito como aquele que se compadece dos aflitos, curando enfermos e amparando os marginalizados. A empatia, nesse contexto, não se limita a um sentimento, mas se manifesta em atitudes concretas que buscam aliviar o sofrimento alheio.
Para aprofundar essa reflexão, obras como "A Revolução da Empatia" (Ed. Zahar, 2015, 272 p.) de Roman Krznaric trazem uma abordagem contemporânea sobre a importância desse sentimento na construção de sociedades mais justas e solidárias. Roman propõe que a empatia ultrapassa os limites de uma simples habilidade individual e se constitui como uma força transformadora capaz de moldar políticas e relações interpessoais, promovendo um mundo mais compassivo.
Nossa fragilidade humana é um elemento intrínseco à existência. Desde o nascimento, somos vulneráveis e dependentes do cuidado do outro. Com o passar do tempo, criamos a ilusão de autossuficiência, mas basta um evento inesperado – uma doença, uma tragédia ou uma crise social – para nos lembrar de nossa interdependência. E aqui cabe uma provocação: você tem cuidado de quem cuida de você?
O olhar atento ao próximo, o cuidar do outro, é um ato tão essencial quanto cuidar de si. Nesta sociedade a individualidade se sobrepõe ao coletivo, parar para enxergar verdadeiramente o outro se tornou um gesto quase revolucionário. O cuidado não precisa ser grandioso ou espetacular; ele se revela nos detalhes cotidianos, como um bom-dia sincero, uma mensagem inesperada, um olhar atento para quem precisa ser ouvido. Pequenos gestos de bondade, quando somados, criam uma rede de afeto que fortalece laços e traz conforto para quem mais precisa. A “A Era da Empatia”, de Frans de Waal (Ed. Companhia das Letras, 2010. 392 p.) nos apresenta uma análise profunda sobre como o cuidado se constitui como mecanismo biológico fundamental para a sobrevivência e cooperação de diversas espécies. A obra traz evidências científicas de que o cuidado mútuo e os gestos de gentileza são comportamentos enraizados na evolução, demonstrando que a empatia não é um luxo, mas uma necessidade para a construção de sociedades mais equilibradas e resilientes.
Essa angústia e sofrimento do Papa Francisco nos faz refletir sobre essa condição e sobre como a empatia pode ser um elo essencial para enfrentarmos juntos as adversidades. Na análise da empatia como valor religioso, observamos que esta vai além da compaixão passiva. Em diferentes crenças, o ato de se colocar no lugar do outro é incentivado como um caminho para o crescimento espiritual e para a prática do amor ao próximo. No budismo, por exemplo, a compaixão (karuna) é um dos pilares para alcançar a iluminação. No islamismo, o conceito de "rahma" (misericórdia) reforça a importância de agir com bondade e compreensão. Em todas essas tradições, o amor pelo próximo vai além do ideal, trata-se de um compromisso ativo com a transformação do mundo. Nos momentos de calamidade e desespero, a empatia se manifesta de forma intensa e, muitas vezes, inesperada. Tragédias naturais, crises humanitárias e conflitos despertam um sentimento de solidariedade que ultrapassa barreiras geográficas, culturais e religiosas. A comoção global diante do sofrimento do Papa Francisco ilustra como, diante da vulnerabilidade, encontramos um senso de pertencimento e responsabilidade compartilhada.
Nesta linha de raciocínio, também cabe indicar a obra Brené Brown "A Coragem de Ser Imperfeito" (Ed. Sextante, 2016, 209 p.) que explora a importância da vulnerabilidade como uma ponte para conexões, a autora argumenta que admitir nossa fragilidade e aceitar a dos outros nos torna mais humanos e fortalece nossos vínculos interpessoais e adota a empatia como caminho para isso, visto que ao entender a fragilidade do outro, nos tornamos mais propensos a respeitar seus momentos. Todavia, nesta era digital, podemos ver que as histórias de dor e superação alcançam milhões de pessoas em tempo real, mas na mesma medida gera uma banalização do sofrimento. O consumo rápido de notícias, muitas vezes sensacionalistas, cria um distanciamento emocional em vez de um engajamento real. Para combater esse efeito, é necessário resgatar a profundidade dos laços humanos e a autenticidade das relações. E não, não tenho respostas de como fazer isso. Vamos buscá-las juntos?
Ao olhar para Vossa Santidade, percebemos que sempre defendeu o uso das redes sociais como ferramenta para a promoção da empatia e do diálogo. Em seus discursos, ele incentiva o uso consciente da comunicação digital para espalhar mensagens de paz, inclusão e acolhimento. Seu exemplo nos ensina que, em um mundo hiperconectado, a empatia deve ser mais do que um sentimento momentâneo – deve ser uma prática cotidiana. Em tempos de crise, a empatia é um farol que ilumina o caminho para a resiliência e a união. Seja por meio da religião, da psicologia, da literatura ou da ciência, o ato de se colocar no lugar do outro transforma realidades e fortalece comunidades. O estado de saúde do Papa Francisco nos lembra que a fragilidade é inerente a todos, mas que, ao cultivarmos a empatia, encontramos força na solidariedade e na conexão humana.
No fim das contas, a empatia não é um conceito distante, nem uma habilidade reservada a poucos. Ela está na forma como ouvimos o outro, no espaço que damos para que suas dores sejam validadas, nas pequenas escolhas diárias de ser gentil mesmo quando o mundo parece exigir pressa e indiferença. Se somos rápidos para julgar, por que não podemos ser rápidos para acolher? Se o sofrimento alheio nos toca, por que não transformamos essa sensibilidade em ação? O Papa Francisco, com sua trajetória de simplicidade e compaixão, nos ensina que a empatia não se expressa apenas em palavras bonitas, mas que se transformam na coragem de estar presente para o outro, mesmo sem garantias de reciprocidade. Pois, no final, não se trata só de orações ou mensagens de conforto, mas da disposição verdadeira de sermos melhores uns para os outros.
Cabe finalizar este artigo com um convite à ação: que cada um de nós, inspirados pelos exemplos que a história, a atualidade e Vossa Santidade nos oferecem, possa transformar palavras em atitudes, tornando a empatia um pilar central de nossas vidas. Pois, no fim das contas, é a empatia que transcende as palavras e gera mudança real no mundo.
Se a fragilidade nos une, que seja a empatia a nos guiar.

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