top of page

(Des)Encontros de gerações: como educar pessoas que já sabem tudo?

Olá, caro leitor e querida leitora. Espero que esteja bem. Tenho uma pergunta comum, mas que boa parte da população não gosta de responder... Quantos anos você tem?!


Pergunto isso porque para refletirmos sobre o título do artigo alguns dados são relevantes. Está claro para mim e para você que vivemos em uma sociedade atravessada por diferentes gerações que compartilham o mesmo tempo, mas não os mesmos referenciais. Correto?


As Ciências Sociais e a Sociologia, ao olhar para as gerações, buscam categorizá-las por período, características e cultura de forma a gerar subsídios para pesquisas e reflexões essenciais para compreender o passado-presente-futuro. No livro Gerações (Integrare, 2016, p. 240), Sidnei Oliveira nos mostra que a geração Baby Boomer (1946–1964), de grande volume devido as taxas de natalidade pós-guerras, cresceu entre guerras frias e transformações políticas, prezando pela estabilidade. A Geração X (1965–1980) experimentou a transição analógica-digital e valorizou a autonomia. Já os Millennials ou Geração Y (1981–1996), por sua vez, foram moldados por avanços tecnológicos e pela promessa da realização pessoal. Diferente da Geração Z (1997–2012) que nasceu conectada, imersa em redes sociais e marcada pela velocidade e fluidez. E da Geração Alpha (a partir de 2013) que está crescendo em um mundo completamente digitalizado, onde inteligência artificial e as telas são tão naturais quanto brinquedos. Essas fronteiras geracionais ajudam a compreender os desafios (e as pontes) do tempo presente. Puxando para meu lado, nasci em 1993. Um ano antes da estreia de “O Rei Leão”, quando o videogame ainda era o Super Nintendo e a conexão com a internet vinha com aquele chiado característico, como um ritual de iniciação. Em minha infância, gostava de acordar cedo para ver TV Globinho e Bom dia e Cia, de montar coleção de tazos do Looney Tunes e de rebobinar fitas VHS com a ponta da caneta Bic. Meu pai tinha poucas fitas, uma delas era do filme “A Revolta dos Brinquedos” (Toys, 1992, direção de Barry Levinson, produção 20th Century Studios) – eu ficava extasiado com esse filme e as possibilidades da tecnologia no futuro. Mas, de modo geral, foi uma infância analógica que espiava, pela fresta, o mundo digital que estava chegando, misturando fitas K7 com os primeiros toques polifônicos do celular.


Sempre imerso na biblioteca do bairro, meus amigos e eu nos divertíamos com Tamagotchis, às vezes jogava “Mortal Kombat”, “Crash” e “Resident Evil” no PS1 do primo, Fagner, como se fosse uma olimpíada de reflexos. Ao mesmo tempo nesta época, víamos os adultos lidarem com as primeiras dúvidas sobre a internet e com aquele medo do “fim do mundo” previsto para 2000. Crescemos com revistas Capricho e Super Interessante, livros do Telecurso 2000, músicas do Charlie Brown Jr., e o início das redes sociais — um tempo em que o Orkut ainda pedia convite e as pessoas se cansavam do treme-treme do MSN.


Esse cenário moldou quem somos: uma geração que transita entre o analógico e o digital, entre a conversa ao pé da lousa e a troca de mensagens instantâneas. Somos os Millennials, também conhecidos como Geração Y, nascidos entre os anos 1980 e meados dos anos 1990. Crescemos ouvindo sobre meritocracia, fomos incentivados a “ser o que quiser” e, por isso mesmo, vivemos o peso de tantas possibilidades. Há quem diga que somos a geração do burnout, da ansiedade disfarçada de produtividade e dos boletos que nunca param de chegar. Mas também somos a geração do afeto, das redes de apoio e das causas sociais. Valorizamos a escuta, o cuidado, a saúde mental e a liberdade de ser. Ouvimos Racionais, mas também Caetano. Temos playlists que vão de Beatles a Beyoncé. Somos, ao mesmo tempo, o caderno de caligrafia e o Smartphone na sala de aula. Como nos lembra Byung-Chul Han, em Sociedade do Cansaço (Vozes, 2015, p. 116), vivemos em um tempo em que a liberdade de “ser tudo” se converteu numa exigência permanente de desempenho — um fardo silencioso que tem adoecido emocionalmente toda uma geração.


Quando olharmos para a Geração Y, ainda que mais flexíveis, muitas vezes se vê paralisada entre o cansaço crônico e a nostalgia de uma Educação que já não existe mais. ensinar esses sujeitos — pais, professores, gestores — exige mais do que conteúdo ou formações técnicas: requer desmontar certezas, convidar à reflexão e, sobretudo, abrir espaço para o desconforto do reaprender. Como diz bell hooks, “ensinar é um ato de esperança” — e talvez a esperança esteja justamente em perceber que nunca é tarde para reaprender a aprender (Ensinando a transgredir, Ed. Martins Fontes, 2024, p. 270). Agora ao retomar a Geração X, se torna desafiador ensinar aqueles que acham que já aprenderam o suficiente. Muitos da Geração X, criados sob a lógica da disciplina rígida e da autoridade incontestável, resistem ao diálogo horizontal e à escuta ativa. Cito ambas as gerações porque meu trabalho é na formação docente, então lido diariamente com adultos e jovens adultos dessas gerações.


Agora, pensando em você, pai, mãe, professores(as) e outras pessoas que lidam no dia a dia com os nascidos depois de 2000, já inseridos nas chamadas Geração Z e Alpha, percebe-se um certo desencontro. Como educar quem nasceu com o dedo deslizando a tela, com vídeos curtos como principal forma de informação e um imediatismo que atropela o tempo da reflexão? Como dialogar com crianças e adolescentes que parecem saber tudo e, ao mesmo tempo, carregam uma solidão imensa escondida nos emojis?


As escolas e as universidades, nesse contexto, tornaram- -se palco de desencontros geracionais. Professores da Geração X, formados em tempos em que o conhecimento era escasso e o professor era autoridade máxima, enfrentam o desafio de ensinar a quem tem o mundo inteiro no bolso. Ao lado deles, docentes da Geração Y tentam ser ponte, mas também se sentem atravessados por essa aceleração sem freio.


A Geração Z, marcada pela fluidez, pela identidade como construção contínua e pelo discurso do “não sou obrigada”, tensiona os modos tradicionais de ensinar. Ela exige diálogo horizontal, sentido nas tarefas e reconhecimento subjetivo. E não aceita bem o “porque sim”. Para ela, as estruturas precisam fazer sentido — e isso incomoda, instiga, transforma. Essa geração hiperconectada também é ansiosa, solitária e muitas vezes indiferente à escola/universidade. Mas não por falta de inteligência ou de sensibilidade, e sim por excesso de estímulo. É uma geração que precisa ser tocada de outro modo, e talvez a literatura seja uma dessas formas.


Livros como Ansiedade causada pela informação, de Daniel Sanders (Acrolim, 2024, digital), ajudam a compreender como o excesso de telas afeta o comportamento, a atenção e a saúde mental. Do mesmo modo, Rodolfo Capler, com sua escrita sensível e provocativa, em obra como Geração Selfie (Quitanda, 2021, digital) consegue traduzir, com precisão, o sentimento de quem vive entre timelines e crises de sentido. Capler escreve sobre juventude com a escuta de quem realmente estuda, e não apenas convive ou vê de fora. Seus textos são um convite ao diálogo e à empatia. Mas não devemos descartar os clássicos. Paulo Freire, em Pedagogia da Autonomia (Paz & Terra, 2019, p. 144), nos lembra da importância do respeito ao saber do outro, de que ensinar exige escuta e humildade. Ler Freire hoje, diante da Geração Z e Alpha, é mais atual do que nunca. É reconhecer que todo encontro entre gerações é, antes de tudo, um encontro de mundos.


Para responder a pergunta que encabeça o título deste artigo, é necessário pensar a complexidade do sujeito contemporâneo, suas dores e seus desejos — elementos tão indispensáveis para quem atua em educação. Por exemplo, para além dos impactos de e em cada geração, também temos que aprender a lidar com as influências de uma geração sobre outra e sobre os encontros inesperados. Vemos, por exemplo, a popularização do discurso de empoderamento em gerações mais velhas, influenciadas por alunos, sobrinhos e netos que vivem o “não sou obrigada” como lema. É a Geração Baby Boomer ouvindo Gloria Groove e se inscrevendo em apps como Only fans, é a avó aprendendo a fazer reels com a neta. Também os professores da Geração X e Y que de origem são regrados à leitura e interpretação, mas que por influência cultural e midiática, deixaram de ler um e-mail por inteiro.


Essa “miscigenação geracional”, se é que o termo exis-te, cria uma espécie de contaminação cultural, ou melhor, essa troca simbiótica entre gerações, tornam as fronteiras entre os comportamentos mais fluidas. Vemos pais que começam a falar de autocuidado, professores que repensam suas práticas e adolescentes que ensinam aos adultos a importância de se vulnerabilizar. Isso é bonito. Isso é potente.


Mas nem sempre é fácil. Para que a existência da ponte seja validada, é preciso haver pessoas e disposição para atravessá-la. E muitos ainda resistem. Há quem diga que a juventude está perdida, mas talvez ela apenas esteja pedindo outro tipo de mapa, um mapa afetivo, que leve em conta os afetos, os tempos e os modos de ser de cada geração. Educar nesse contexto exige sensibilidade, escuta e presença. Exige sair da posição de “quem sabe” para se colocar como aquele que também aprende. E, nesse processo, os livros seguem como aliados fundamentais — sejam eles impressos ou digitais, lidos em silêncio ou compartilhados em voz alta.


É preciso ler o mundo e se reencantar com a experiência de aprender e ensinar. Claro que a Educação e a Sociedade apresentam problemas, sabemos disso e os vivemos cotidianamente, mas você já parou hoje para ver o dia bonito que está lá fora? Mais do que isso, a beleza de um simples “bom dia” ao cruzar a rua ou estacionar o carro... Como bem dizia Rubem Alves, “o professor, se não for encantador, não pode ser educador”. E para encantar, é preciso saber escutar, imaginar e se deixar afetar. Em A alegria de ensinar, ele nos lembra que a educação verdadeira não se faz apenas com currículos ou metodologias, mas com vínculos, com alma, com encantamento. “Ensinar é um exercício de imortalidade que ultrapassa gerações” (Papirus, 2024, p. 96).


Ainda que os tempos caminhem para o múltiplo, o híbrido, o fluido — o que permanece é a complexidade de ser humano. Porque há dor em cada tempo, há silêncios em cada geração. A Geração Y, por exemplo, aprendeu desde cedo que deveria ser forte, produtiva, bem-sucedida, multitarefa. Mas não lhe ensinaram, com a mesma ênfase, a cuidar das próprias emoções ou a lidar com as dores do outro. Muitos de nós aprendemos a ouvir com pressa, a consolar com frases prontas (Eita, Complicado), a sorrir mesmo quando tudo dentro pedia pausa. E, entre terapias e cafés frios, fomos aprendendo que se priorizar não é egoísmo, mas sobrevivência. E ainda assim, a culpa nos ronda.


Às vezes, ensinar quem já “sabe tudo” exige o abandono da própria vontade de ser ouvido, exige o esforço de provocar a dúvida, de semear perguntas no terreno onde tudo parece já ter resposta. É preciso tocar onde o saber não alcança: na sensibilidade, na história de vida, na cicatriz escondida por trás do meme, na dor disfarçada de deboche. E isso, meus caros, não se ensina com PowerPoint ou apostila — se ensina com presença.


A mágica da educação está, talvez, nesse paradoxo: quanto mais sabemos, mais precisamos aprender a desaprender. Quanto mais falamos, mais precisamos reaprender a ouvir. E quanto mais julgamos o outro por seus excessos, mais precisamos olhar com cuidado para nossas próprias ausências.


A educação não será ponte se não for também travessia. E não haverá travessia se não houver escuta, coragem e humanidade, porque, no fundo, a magia das letras, das palavras e da leitura ainda podem fazer o que nenhuma inteligência artificial consegue: tocar o humano que nos habita. E lembrar que ensinar é, antes de tudo, um gesto de amor. E amor, esse sim, não tem geração.




1 comentário


Marcos di Nápolli
13 de abr.

Parabéns professor !!!

Curtir

Rede Internacional

Movimentos Docentes

Logo_transparente_azul.png
025-instagram.png
011-youtube.png
021-facebook.png
046-spotify.png
4406172.png

Acompanhe nossas redes e faça parte

da nossa Comunidade Movimentos Docentes

Rede MD e Movimentos Docentes é uma marca registrada © 2025

Desenvolvido por Viesba & Viesba Consultoria e Projetos

Apoio e desenvolvimento:

Selo_transp22.png
bottom of page