A música tem um poder transformador. Ao longo da história, ela serviu como meio de expressão das emoções coletivas, amplificando sentimentos de esperança, insatisfação e resistência. No Brasil, canções marcaram momentos decisivos da vida política e social. Durante a Ditadura Civil-Militar (1964-1985), os artistas enfrentaram censura, mas encontraram na música uma forma de burlar restrições e se conectar com o público.
Estudiosos como Napolitano (2018) destacam o papel da música popular brasileira como resistência cultural, mostrando como ela se tornou uma ferramenta de contestação durante regimes autoritários. Um dos maiores exemplos dessa força está em “Como Nossos Pais”, escrita por Belchior e imortalizada na interpretação intensa de Elis Regina. Essa canção se tornou mais do que uma música; virou um símbolo da frustração de uma geração que queria mudar o país, mas sentia que os mesmos problemas se repetiam.
Hoje, décadas depois, a música continua atual. O que ela nos ensina sobre o passado? Como ainda dialoga com as questões do presente?
Censura Ontem e Hoje: O Papel da Música na Resistência
Durante os anos de chumbo, o governo brasileiro impôs censura a diversas formas de arte. Músicos como Chico Buarque, Gilberto Gil e Caetano Veloso precisaram codificar suas críticas ao regime em metáforas para driblar a repressão. Segundo Calado (2017), a MPB desempenhou um papel fundamental nesse período, utilizando-se de metáforas e alegorias para driblar a censura oficial.
“Como Nossos Pais” não fazia um ataque direto ao governo, mas falava de algo igualmente perigoso: a desilusão. A frase “minha dor é perceber que, apesar de termos feito tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais” não apenas lamentava o passado, mas questionava o futuro. O que adianta lutar se as coisas parecem não mudar? A canção virou um hino para aqueles que sentiam que as esperanças de transformação estavam sendo frustradas.
E hoje? A censura pode não ser como nos anos 1970, mas artistas e jornalistas ainda enfrentam pressões e tentativas de silenciamento. Músicas de protesto continuam sendo produzidas. De Chico César a BaianaSystem , muitos artistas brasileiros usam suas letras para denunciar desigualdades e injustiças. O que mudou foi o meio – agora, as redes sociais amplificam essas vozes e fazem com que a resistência cultural alcance um público ainda maior.
Elis Regina: A Interpretação que Fez História
A canção escrita por Belchior já tinha força em sua poesia, mas foi Elis Regina que deu vida a ela com uma interpretação memorável. Mais do que cantar, Elis interpretava com a alma. Sua expressão intensa e sua voz carregada de emoção tornaram “Como Nossos Pais” um verdadeiro manifesto.
Quando subia ao palco, Elis Regina não apenas cantava; ela transmitia a dor e a indignação de quem via um país estagnado. Sua apresentação no programa “MPB 80” ficou marcada como um dos momentos mais icônicos da música brasileira.
E essa força interpretativa continua a inspirar artistas. Cantoras como Maria Rita , filha de Elis, e Vanessa da Mata já regravaram a música, mantendo sua relevância ao longo dos anos.
A Música Como Reflexo da Sociedade
A teoria do filósofo Jean Baudrillard (1981), que fala sobre simulacros, ajuda a entender o impacto de “Como Nossos Pais”. Em resumo, um simulacro acontece quando algo se torna mais real do que a própria realidade. A música de Belchior e Elis Regina transcendeu sua época. Hoje, ela não apenas reflete uma frustração de décadas atrás, mas continua sendo apropriada por diferentes gerações, cada uma com seus próprios desafios.
Pensemos nos dias atuais. O Brasil de 2025 também enfrenta crises políticas, polarização e desigualdades sociais. E muitos jovens olham para o país e se perguntam: Será que estamos repetindo os mesmos erros? Será que continuamos vivendo como nossos pais?
O Legado e a Atualidade da Canção
Desde seu lançamento, “Como Nossos Pais” tem sido regravada, reinterpretada e utilizada como trilha de momentos históricos. Sua força vai além da melodia e da letra. Ela se tornou um hino atemporal, capaz de provocar reflexões tanto sobre o passado quanto sobre o presente.
Em tempos de fake news, retrocessos políticos e lutas por direitos, essa canção continua sendo um chamado à consciência. A história nos ensina que, para evitar repetir os mesmos erros, é preciso compreendê-los. A arte tem esse poder: o de provocar, questionar e nos fazer pensar sobre o que queremos para o futuro.
O Brasil mudou? Sem dúvida. Mas a pergunta de Belchior e Elis Regina segue ecoando: Será que mudamos o suficiente?
Considerações Finais
A música é um dos mais poderosos registros da história, não apenas como entretenimento, mas como um reflexo das dores e esperanças de um povo. “Como Nossos Pais” transcendeu sua época e se tornou um marco na cultura brasileira, um hino de reflexão sobre nossas escolhas e sobre os ciclos que se repetem na sociedade.
A canção de Belchior e a interpretação inesquecível de Elis Regina continuam ecoando, provando que a música tem o poder de se renovar e se ressignificar para novas gerações. A cada contexto político e social em que é revisitada, “Como Nossos Pais” se mantém atual, nos desafiando a romper padrões e construir um país mais justo e consciente.
O desafio que ela nos impõe não é apenas o de compreender a história, mas de agir sobre ela. A cultura sempre foi um instrumento de resistência, e a música, uma arma poderosa na luta por direitos e transformações. Que essa canção continue servindo como inspiração para aqueles que desejam questionar, refletir e agir para um futuro diferente.
Em tempos de desafios e incertezas, é necessário lembrar que cada geração tem a oportunidade – e a responsabilidade – de transformar o mundo. E talvez a pergunta que ressoe não seja apenas se ainda vivemos como nossos pais, mas se estamos prontos para ser diferentes e fazer a mudança que desejamos ver. Vamos lá?
Referências
BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e Simulação. Lisboa: Relógio d’Água, 1981.
CALADO, Carlos. O Som da Revolução: A MPB na Resistência à Ditadura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017.
NAPOLITANO, Marcos. Cultura Brasileira sob Ditadura. São Paulo: Contexto, 2018.

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